Quem teve ou tem, sabe. Quem não teve ou não conheceu, pode entender. Vó, figura de tantas faces. Em (Im)permanência: reminiscências de uma estrela que brilha mais, Vanessa Valentim nos convida a conhecer uma presença, que já não é mais pessoa, mas foi um dia, e que, por sua força, faz-se ser sem estar.Um conjunto de trinta poemas que correm como sangue, pois de sangue falam e porque fluem em um diálogo sobre a vida e a morte, a ausência e a presença, a infância e a idade adulta, sem revelar obviedades, mas sim descobrindo sinônimos entre conceitos aparentemente opostos.O olhar de uma criança idosa ou de uma adulta criança? Criança no sentido de simples e ingênua, preparada para captar o que olhos cansados já não veem. Uma idosa porque já conhece o sentimento da morte de alguém e aprendeu com a dureza do destino.(Im)permanência convoca ao aconchego, ao colo, traz lembranças olfativas de cheiro de comida, de pele e de cabelo. Dá colo para quando o mundo é hostil e parece que nele não somos nem pertencemos.
E agora, pequena criança?A vida se mostra complexaSonho é o que aparece de noite enquantonuvens não podemos tocar, porque nãoexistem, se desfazemEscuta o zumbido da mosca que pousou nopão doce?Consegue pegá-la sem tocar no pão?A vida se mostra complexa, pequena criançaMelhor seguirrodando o bambolê
Em uma coletânea de trinta poemas que ecoam com a intensidade de memórias preciosas e sentimentos profundos. (Im)permânencia explora a figura da avó, um símbolo de sabedoria e carinho, de forma que mesmo aqueles que não tiveram a experiência de conhecer uma avó poderão sentir e compreender a profundidade desse relacionamento.
Esse é o segundo livro que leio de Vanessa, e acredito que entre esse e "Descoberta Nu do Mundo", seu novo trabalho seja mais pessoal e ainda mais lírico. Até porque esses poemas são permeados por uma sensação de continuidade e fluxo, como o sangue que corre nas veias, caracterizando assim essa ligação mágica e extremamente afetiva entre gerações.
Tudo isso faz com que esses poemas sejam narrativas poéticas que entrelaçam vida e morte, presença e ausência, infância e maturidade em uma reflexão introspectiva sobre esses temas universais.
O olhar sensível de Valentim capta a essência de uma criança que ainda preserva a ingenuidade e simplicidade, mas que já carrega a compreensão dos ciclos da vida. Ao mesmo tempo, há uma maturidade nas suas palavras que revela uma familiaridade dolorosa com a perda e o crescimento. É essa dualidade que enriquece a leitura e se tornou um dos meus pontos preferidos em sua escrita.
O focinho do cachorro na perna direita dela
Na mão esquerda, uma revista de caça
Palavras
cheiro de feijão no fogo
caneta no chão
ronco suave de um cochilo de sábado à tarde
Os poemas trazem à tona lembranças olfativas de comidas caseiras, o toque suave de mãos que afagam, e o calor de abraços que confortam. Há uma nostalgia palpável que se mistura com a saudade e aquela sensação de aconchego e pertencimento, mesmo nos momentos mais difíceis. Foi isso que senti ao ler o poema listado acima. E acredite, o livro é permeado por essas lembranças que, de forma ou outra, acabam se tornando universais.
Sensorial, belo e uma homenagem incrível para aqueles que amamos. É impressionante ver como simplicidade e a profundidade das imagens poéticas de Valentim são o ponto forte deste livro. A autora consegue transformar o cotidiano em algo sublime, revelando a beleza escondida nas pequenas coisas e nos gestos simples que compõem nossa vida!