Aqui acompanhamos John, ou Jonah, um escritor que planeja escrever um livro sobre o dia do bombardeio de Hiroshima e decide investigar o legado do físico Felix Hoenikker, um dos responsáveis pela criação da bomba atômica. No decorrer de sua pesquisa, ele se depara com um segredo ainda mais perigoso: o gelo-nove, uma substância capaz de cristalizar toda a água do planeta, transformando-a em um bloco sólido e inviabilizando a vida na Terra. A substância foi desenvolvida por Hoenikker, mas permanece nas mãos de seus três filhos: Frank, Angela e Newt.
Frank, o filho do meio, é um engenheiro que busca estabilidade e poder sem compreender verdadeiramente as consequências de suas ações. Angela, a irmã mais velha, tem um senso de dever quase materno, mas vive presa em uma vida infeliz, tentando encontrar significado em sua relação com o pai. Já Newt, o mais jovem, é um artista cínico e desiludido, cujas observações sobre a vida e a realidade refletem o pessimismo latente no romance.
A busca pelo gelo-nove e o destino da família Hoenikker levam John até a ilha caribenha de San Lorenzo, um pequeno e miserável país governado pelo ditador "Papá" Monzano. É nessa sociedade distópica que Vonnegut introduz um dos elementos mais icônicos do livro: o bokononismo, uma religião clandestina baseada na aceitação de mentiras reconfortantes ("fomas", como são chamadas no livro).
Seu criador, Bokonon, é uma figura mítica que escreveu uma série de versos e ensinamentos subversivos, promovendo um sistema de crenças paradoxal: ele próprio adverte seus seguidores de que sua religião é uma farsa, mas, ao mesmo tempo, defende que é a única maneira de encontrar algum conforto no mundo caótico.
Vonnegut estrutura o romance com capítulos curtos e um estilo direto, reforçando o ritmo ágil e satírico da narrativa. E mais uma vez, ele não se preocupa em oferecer respostas, mas em expor as contradições e absurdos do comportamento humano. A ciência (mostrada como amoral e desconectada de qualquer senso de responsabilidade ética), a religião, (que parece ser a única que fornece algum tipo de sentido para os personagens), o governo e a política (extremamente desorganizados, ineficazes e movidos por interesses egoístas.)
O desfecho do livro é ao mesmo tempo cômico e trágico, seguindo a tradição de Vonnegut de desafiar as convenções narrativas. O tom satírico permanece até o último instante, mas a reflexão deixada pelo romance é profunda: se a vida humana é um jogo de azar repleto de mentiras convenientes, o que nos resta além de rir de nossa própria tragédia?