Poucos livros de ficção científica são capazes de provocar o tipo de inquietação que Piquenique na Estrada desperta. Escrito por Arkádi e Boris Strugátski durante o período soviético, o romance apresenta uma história que evoca o sobrenatural em ambientes completamente naturais: em algum momento no passado recente, seres extraterrestres visitaram a Terra e deixaram para trás seis Zonas, áreas restritas onde as leis naturais parecem ter sido corrompidas.
Não há confrontos épicos nem mensagens claras de boas-vindas ou hostilidade. A visita foi breve, silenciosa, e talvez até acidental. O que ficou foram objetos, resíduos e distúrbios físicos inexplicáveis — vestígios que a humanidade não consegue compreender totalmente. A comparação sugerida pelo título do livro — de que a presença alienígena seria como um piquenique à beira da estrada, com o planeta sendo apenas o cenário fortuito desse evento banal — é desconcertante e genial. O ser humano, nesse caso, não é protagonista de nada.
A história acompanha Redrick Schuhart, um "stalker", termo usado para definir aqueles que se arriscam a entrar ilegalmente na Zona para coletar artefatos e vendê-los no mercado negro. Redrick não é um herói clássico, e tampouco parece interessado em causas maiores. Sua trajetória é marcada por perdas, contradições e escolhas difíceis.
Ao longo do livro, as discussões sobre ética, ciência e a obsessão pelo desconhecido vão se entrelaçando com a história pessoal de Redrick. O clima é de permanente tensão, e a narrativa avança num ritmo controlado, sem pressa de entregar respostas. Não se trata de um romance que oferece conforto; Piquenique na Estrada prefere deixar nos deixar no escuro, lidando com as lacunas, com os perigos e as ambiguidades da Zona.
A força do romance também está em seu subtexto político. Escrito sob a vigilância do regime soviético, o livro precisou driblar censuras e passou por cortes, o que apenas contribui para o clima de opressão e desconfiança que permeia a história. Ainda assim, sua crítica ao autoritarismo, à ganância humana e à ilusão de controle sobre o desconhecido está clara — e continua atual.
Vale destacar que o romance inspirou o clássico filme Stalker, dirigido por Andrei Tarkovski em 1979 —que eu fui ver logo depois de ler o livro. Embora a adaptação tome liberdades significativas com relação ao texto original, ela preserva a essência filosófica da obra — o peso existencial da Zona e a busca por algo que talvez não possa ser encontrado. Ler Piquenique na Estrada antes de assistir ao filme (ou vice-versa) amplia ainda mais a compreensão sobre os temas levantados por ambos.
No fim das contas, o que os irmãos Strugátski criam aqui é um terreno fértil para questionamentos — científicos, éticos, espirituais. A Zona é uma invenção extraordinária, e a maneira como ela transforma os que se aproximam dela é, talvez, a melhor metáfora para o desconhecido que cerca todas as nossas buscas.