Organizadores: Giorgio Agamben
Editora: BoitempoCompre através deste link.
Stasis é o nome da guerra civil na Grécia antiga – um conceito tão perturbador que a filosofia política posterior preferiu deixá-lo à margem, sem jamais transformá-lo em objeto de uma doutrina consistente nem mesmo entre os teóricos da revolução. Neste ensaio instigante, livro II, 2 da tetralogia Homo sacer, Giorgio Agamben propõe os primeiros passos rumo a uma “stasiologia”, uma teoria da guerra civil, e sustenta que é precisamente ela, a guerra civil, a verdadeira linha de fronteira da politização no Ocidente. Um dispositivo paradoxal que, ao longo da história, ora despolitizou a cidadania, ora mobilizou o impolítico – e que ressurge sob a forma do terror em escala planetária.
Fala galera do Porão Literário, tudo certo? Hoje a resenha é de um livro denso e provocador: Stasis: A guerra civil como paradigma político, do filósofo italiano Giorgio Agamben, aqui na edição da editora Boitempo. A resenha foi escrita por Leonardo Santos.
O livro parte de uma constatação inquietante: apesar de ser um fenômeno tão antigo quanto a própria democracia ocidental, não existe uma verdadeira "estasiologia", ou seja, uma teoria da guerra civil. Juristas e politólogos parecem evitar o tema, mesmo quando a "guerra civil mundial" se torna uma realidade cada vez mais presente. Agamben, então, mergulha em dois momentos cruciais da história do pensamento político para investigar esse ponto cego: a Grécia clássica e a filosofia de Thomas Hobbes.
No primeiro ensaio, "Stasis", Agamben dialoga com a obra da helenista Nicole Loraux, que situava a origem da guerra civil (stásis) na família (oîkos). Agamben, porém, vira essa ideia de cabeça para baixo. Para ele, a stásis não está nem na casa nem na cidade (pólis), mas funciona como um "limiar de indiferença" entre as duas esferas. É nesse limiar que o espaço apolítico da família se politiza, e a cidade se "economiza", ou seja, se reduz a uma casa.
A guerra civil é, portanto, o motor que define o que é e o que não é político. De forma assustadora, ele conecta essa lógica ao presente, argumentando que o terrorismo é a forma que a guerra civil assume quando o mundo inteiro é apresentado como uma grande "casa" global a ser gerenciada.
Já no segundo ensaio, "Leviatã e Behemoth", o autor nos oferece uma análise brilhante da famosa imagem que abre o Leviatã de Hobbes. Ele se pergunta: por que a cidade na imagem está vazia? E por que o soberano, o Leviatã, está do lado de fora dela? A resposta está na paradoxal relação entre povo e multidão. Segundo Agamben, Hobbes mostra que o povo (populus) só existe no instante em que cria o soberano, dissolvendo-se imediatamente em uma "multidão dissoluta" (dissoluta multitudo). O Estado, portanto, não se funda sobre a presença de um povo, mas sobre sua ausência contínua, uma condição que Agamben chama de adémia.
Seria simples dizer que Agamben é um autor complexo, mas isso não capturaria a genialidade com que ele tece conexões entre a Grécia Antiga, a filosofia moderna e os conflitos contemporâneos.
O que mais impressiona em Stasis é como o autor revela a máquina oculta do poder. A política ocidental não se baseia em conceitos estáveis, mas em um campo de tensão constante entre polos opostos: casa e cidade, povo e multidão, o político e o apolítico. A guerra civil não é uma exceção a essa ordem, mas o dispositivo que a regula. A análise da figura dos "médicos da peste" na cidade vazia de Hobbes, como aqueles que cuidam da "multidão dissoluta", é uma antecipação afiada do biopoder que viria a se tornar central na política moderna.
O livro não trata apenas de conceitos abstratos. Agamben nos mostra que o Estado (o Leviatã) e a guerra civil (o Behemoth) são inseparáveis e coexistem até o fim dos tempos, numa leitura surpreendentemente escatológica da obra de Hobbes. O Estado moderno nasce com a promessa de paz, mas carrega em seu núcleo a possibilidade permanente de sua própria dissolução violenta.
Não é uma leitura fácil, mas é fundamental. Agamben nos força a enxergar a fratura que constitui o nosso presente político, revelando a "guerra civil" que se esconde sob a aparente normalidade. Eu fiquei fascinado com a genealogia que ele traça.


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