Olá pessoal do Porão Literário! Hoje vou compartilhar com vocês uma entrevista feita com Lucas Pergon, autor de A nomeação (O Burocrata).
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1. Em "A Nomeação", a burocracia ganha contornos quase metafísicos, uma presença que observa e manipula. De onde surgiu essa ideia de transformar o sistema público em um organismo vivo, com vontade própria?
A burocracia não é uma abstração para mim, essa percepção não surgiu de uma epifania súbita, mas de vinte anos observando o funcionamento interno da máquina pública.
Quando comecei a escrever "A Nomeação", quis imprimir que a burocracia não é um sistema neutro de regras e procedimentos. Ela possui uma vontade quase orgânica de perpetuar a si mesma. Kafka compreendeu isso profundamente. Eu apenas tentei trazer essa compreensão para o contexto brasileiro contemporâneo.
2. Seu texto equilibra crítica política e tensão narrativa com uma naturalidade rara. Como você encontra esse ponto de equilíbrio entre o discurso social e o ritmo da ficção?
Quando escrevo penso em criar personagens que enfrentam dilemas genuínos, que fazem escolhas morais complexas dentro de um sistema que os constrange. Se a crítica emerge naturalmente dessa tensão, é porque ela é orgânica à situação, não imposta sobre ela.
O ritmo narrativo é preservado justamente porque não há competição entre a história e a mensagem. Eles são a mesma coisa. A tensão psicológica entre Felipa e Alberto não é um pretexto para falar sobre burocracia; é a manifestação literária do conflito entre idealismo e pragmatismo, entre a recusa em aceitar o absurdo e a resignação diante dele.
Diante disso, cada diálogo deve funcionar em múltiplos níveis: como conversa cotidiana, como revelação de caráter, como exploração de ideias.
3. Você já trabalhou no serviço público, e isso transparece nas entrelinhas da sua escrita. Em que momento essa vivência começou a se transformar em material literário?
A transformação dessa vivência em material literário não foi imediata. Levou anos de observação, de anotações, de conversas com colegas, de leitura de Kafka, Camus e outros que compreenderam o absurdo como categoria existencial. Em algum momento percebi que essa vivência poderia transcender o testemunho pessoal e se tornar alegoria universal.
Compreendi que não estava observando apenas um fenômeno administrativo, mas uma condição existencial. A burocracia não é um problema de gestão; é uma manifestação da forma como o poder se exerce na modernidade.
4. A trilogia burocrática propõe um olhar completo sobre diferentes estágios do servidor público — o início, o meio e o fim. Como foi o processo de estruturar esse ciclo narrativo? Você o pensou como trilogia desde o início?
Não, não o pensava como trilogia desde o início. "O Burocrata" surgiu primeiro, como um romance. Era uma narrativa de resistência, de confronto direto. Quando o terminei, percebi que havia explorado apenas uma faceta do tema.
"A Nomeação" veio depois, como uma investigação mais profunda, mais concentrada. Se "O Burocrata" era a epopeia, "A Nomeação" era a tragédia psicológica.
Os contos surgiram como uma necessidade de explorar o absurdo em sua forma mais pura. Eles serão publicados em breve.
5. O Brasil é um país em que a burocracia molda a vida cotidiana de forma quase invisível. Você acredita que a literatura tem o poder de revelar e, de certa forma, subverter essas estruturas?
A literatura tem o poder de revelar. Quando um leitor lê "A Nomeação" e reconhece em Felipa ou Alberto aspectos de si mesmo, algo muda. A invisibilidade é rompida. O leitor compreende que não está sozinho, que o absurdo que experimenta não é pessoal, mas estrutural. Essa compreensão é muito forte.
Porém, a literatura não muda leis ou reorganiza instituições. O que ela faz é mais sutil e, talvez, mais profundo. Ela muda a consciência.
As pessoas experimentam a burocracia como fatalidade, como natureza, não como construção humana passível de mudança. A literatura pode desvelar essa construção. Pode mostrar que o sistema não é inevitável.
Essas respostas refletem minha compreensão atual de meu próprio trabalho. Mas reconheço que um escritor nunca compreende completamente sua própria obra. Há camadas que permanecem ocultas, significados que emergem apenas na leitura do outro. A literatura é um diálogo entre escritor e leitor, e esse diálogo continua indefinidamente, gerando novos significados a cada encontro.
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