Em "Quem ainda escreve poesia?" conhecemos um pouco do fazer poético de J.C. Pacheco, que nos conduz por uma viagem íntima através de suas memórias e observações que pode ter retirado de diversos momentos de sua vida. O livro é dividido em seções temáticas como "Vida", "Mundo" e "Fé", e cada um deles trás uma nova faceta a sua escrita. Parece que estamos lendo diversos livros diferentes, mas em todos é possível encontrar algo que torne a escrita de Pacheco única.
O legal do livro é que ele já começa com uma super ambientação no próprio autor, nele Pacheco nos introduz à sua jornada poética, revelando sua infância como um garoto tímido que encontrava refúgio na criação de um mundo imaginário. Essa introdução pessoal é muito importante para todas as poesias que vem pela frente, pois daí passamos a entender melhor toda a perspectiva dele.
Os poemas, escritos de maneira a remeterem a uma certa musicalidade, exploram temas que vão desde a paixão pela pátria até as angústias pessoais, passando por questões contemporâneas, guerra e espiritualidade! Tem poesia pra todos os gostos.
"Quem ainda escreve poesia?" foi um título que me atraiu logo no começo, achei muito inteligente a forma como ele funciona meio que como uma sátira, sugerindo uma espécie de ironia que ressoa à medida que nos aprofundamos nas páginas do livro, explorando não apenas a escrita poética, mas também as reações que ela pode evocar naqueles que a encontram.
A construção das poesias é um dos pontos que eu mais gostei.. até porque elas são super leves e fáceis de serem lidas. Pacheco não apenas tece suas opiniões de forma envolvente, mas também convida o leitor a refletir sobre suas próprias motivações para ler poesia.
"Na primavera,
Flora germina
Caleidoscópio à retina
Espirro todo o tempo
Estação da alergia
Exacerbada libido tem o verão,
Estação do pecado
Diabo adora
Corpos em exposição"
Nesse poema, intitulado "Estações", eu amei como o autor explorou as diversas estações do ano como metáforas para experiências humanas. Ao abordar a primavera, ele destaca o florescimento da flora, mas habilmente introduz um elemento de desconforto, personificando a estação como uma época de alergias constantes (que me assolam, logo em facilmente me identifiquei).
Essa dualidade sugere uma complexidade nas experiências da vida, onde a beleza muitas vezes coexiste com desafios inesperados. Aqui, Pachecho parece explorar não apenas as características naturais da estação, mas também as emoções humanas associadas a ela.
De tinta e duras penas
Escreveram-se heroísmo e tragédia
À África ou ao Novo Mundo,
A morte vinha em caravela
Não é um conto shakespeariano
Distorção que se estende por séculos
Precisamente, quinhentos anos
O poema "Mundo Branco, Monocromático" explora a dualidade de um ambiente aparentemente puro e próspero, associado ao branco. O poeta também destaca a narrativa trágica e heroica que se desdobrou ao longo de quinhentos anos de história. A referência à morte vindo em caravela evoca a exploração e as consequências nefastas da colonização. Essa estrofe destaca a carga histórica e social do "mundo branco, monocromático", revelando as cicatrizes de uma narrativa que continua a ecoar através do tempo.
A habilidade de J.C. Pacheco em articular pensamentos complexos de maneira acessível e envolvente faz de "Quem ainda escreve poesia?" uma ótima coletânea para qualquer apreciador de poesia. A obra não apenas desafia a pergunta do título, mas também nos faz refletir sobre por que continuamos a ler e valorizar a poesia em um mundo cada vez mais acelerado e fragmentado. Recomendo esta obra a todos que buscam uma jornada poética enriquecedora e reflexiva.