Bom, nesse segundo volume da série nós entramos em uma prequela que mergulha nas raízes da personagem Fabiana, antes antagonista no primeiro volume, expondo os traumas e escolhas que a moldaram. Ambientado no verão de 2002, o "Assuntos pendentes" explora temas como abuso sexual, alienação familiar e a espiral autodestrutiva em um cenário de raves e festas underground, onde a busca por liberdade se transforma em pesadelo — coisas que Moura de Jesus já fez muito bem no primeiro livro.
Fabiana, aqui, não é a figura manipuladora que conhecemos no primeiro livro, mas uma adolescente em busca de pertencimento. Sua história começa com a euforia das noites eletrizantes ao lado de amigos como Lúcio e sua prima Sabrina, mas toma um rumo sombrio quando é drogada e violentada em uma festa.
A transformação de Fabiana em uma figura amarga e vingativa é gradual — e talvez isso tenha sido um dos elementos que eu mais gostei no livro, já que dá uma complexidade gigante para uma personagem que era extremamente odiada no primeiro volume!
Seu envolvimento com drogas e crime não é romantizado; é retratado como uma fuga caótica da dor, uma tentativa de recuperar controle sobre uma vida que lhe escapou. Moura de Jesus consegue reconstruir uma personagem multidimensional, cujas ações futuras (já conhecidas dos leitores do primeiro livro) ganham profundidade psicológica, questionando até que ponto a sociedade é cúmplice de suas escolhas e até que ponto ela é maligna.
Enquanto acompanhamos a queda de Fabiana, uma trama paralela surge com Felícia, irmã de Leka, e seu grupo de amigos nerds, que investigam uma rede criminosa por trás das festas levantando a questão "seria tudo aquilo parte de um esquema maior?"
Mesmo sendo um livro que se passa nos anos 2000, eu gosto muito da forma como Moura também dialoga com questões atuais, como a romantização da "vida noturna" e a pressão social para se encaixar em padrões de diversão tóxicos. Fabiana evoca muito bem essa ilusão de liberdade que muitos jovens abraçam, apenas para descobrirem que a os relacionamento nos quais estão, muitas vezes, os prendem.
Assim como no primeiro livro, a linguagem é extremamente acessível, próxima do universo juvenil (pra qual o público é destinado); mas do mesmo jeito a história traz uma densidade emocional gigantesca!. Cenas de abuso e dependência química são descritas com uma crueza que choca, mas sem sensacionalismo, mantendo o foco nas consequências humanas.
Por fim, "Assuntos pendentes" consegue trazer uma recontextualização poderosa do volume original. Ao humanizar Fabiana, Mouro de Jesus nos desafia a confrontar as estruturas que produzem "vilões" cotidianos!