RESENHA: DESILUSÃO DE ÓTICA

Organizadores: Úrsula Antunes

Editora: Urutau

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Este livro é bicho selvagem. As palavras circulam pela escuridão, caminhando inquietas por entre as árvores, em espera salivante, aguardando o momento do bote. Farejam o ar, rosnam para a luz, e então saltam para junto da fogueira, caninos arreganhados, prontos para rasgar. Neste Desilusão de Ótica, Úrsula Antunes nos entrega narrativas que caçam o leitor pela mata, silentes, nem sempre revelando sua natureza brutal, por vezes fantástica. Sua fome é por aqueles que se arriscam no limiar, onde morre a luminosidade das chamas, os leitores transmutados em presa, pois não lhes resta outra opção. Ao darem por si, já, foram arrastados para as trevas.

Fala galera do Porão Literário, tudo certo? Hoje minha resenha é do livro Desilusão de Ótica: contos e aparições, lançado pela Editora Urutau. O livro é de autoria de Úrsula Antunes e a resenha foi escrita por Leonardo Santos.

Logo no prefácio, a escritora Larissa Prado já nos avisa: a literatura de Úrsula Antunes é um “labirinto claustrofóbico”. E de fato, Desilusão de Ótica não é um livro de contos para se ler desatento. Cada uma das nove histórias que compõem a obra  (de “O frio da prata” até “A túnica do Barba Azul”) nos mergulha em universos de horror, grotesco, fantasia e inquietação, sempre desafiando a lógica do olhar e a confiança nos próprios sentidos.

Entre os destaques está “O frio da prata”, conto que abre a coletânea e já anuncia o tom de insólito: um encontro junto a uma cachoeira que não é exatamente o que parece, envolvendo identidade, solidão e a fronteira entre humano e espectral. Em “Sebastian”, acompanhamos a história de uma idosa e seu gato, que culmina em um desfecho brutal e sangrento (e já posso dizer que é um dos meus preferidos dessa antologia). 

Outro conto marcante é “Fogo-fátuo”, ambientado no Rio de Janeiro do século XIX. Aqui, Úrsula mostra fôlego de pesquisadora ao reconstruir com minúcia histórica uma clássica narrativa de fantasmas, mas que também fala de luxúria, repressão e o preço cobrado por pactos quebrados. Já em “Curare”, a tensão se desloca para o espaço médico, onde o corpo feminino se torna palco de horror em uma experiência anestésica aterradora, misturando realidade clínica e sensação de invasão sobrenatural.

O livro também apresenta momentos de crítica social e revisitação de arquétipos. “A túnica do Barba Azul” e “Curare” são exemplos de como a autora tensiona o lugar da mulher no horror, questionando estereótipos misóginos que marcaram a tradição gótica. Não por acaso, o prefácio aponta Úrsula como herdeira de nomes como Shirley Jackson e Poe, mas também como alguém capaz de trilhar seu próprio caminho, renovando o gênero.

O que mais me chamou a atenção em Desilusão de Ótica é a pluralidade de cenários: de uma cidade interiorana marcada por colonização estrangeira a um Rio oitocentista, passando por hospitais, circos e até mesmo ambientes íntimos e domésticos. Em todos eles, a escuridão se insinua pelas frestas, às vezes sutil, às vezes despudoradamente sangrenta.

Úrsula Antunes estreou na Editora Urutau em fevereiro de 2024, e com esse livro mostra não só domínio narrativo, mas também coragem estética. Seus contos são como aparições: aparecem diante de nós com a força do insólito, perturbam, deixam marcas e se retiram, mas não sem antes alterar a forma como enxergamos o mundo.

Desilusão de Ótica é leitura indispensável para quem ama horror literário, para quem busca narrativas que misturam pesquisa histórica, crítica social e o prazer do insólito. É também um belo exemplo da potência das vozes femininas no gênero, capazes de transformar o desconforto em experiência estética.