Olá pessoal do Porão Literário! Hoje vou compartilhar com vocês uma entrevista feita com Hudson Cunha, autora de O Tratado dos Opostos
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1. Como foi o processo de transformar suas batalhas mais íntimas contra a ansiedade, a depressão e o TOC em poesia e arte? Houve algum momento em que essa exposição se tornou difícil demais de revisitar?
Foi um processo de cura e libertação, quase como um exorcismo — ao mesmo tempo intenso e profundamente doloroso. Sempre escrevi, muito como parte de um processo terapêutico, em formato de diários. Sempre fui um leitor assíduo e um entusiasta das artes. Uma grande frustração minha sempre foi não ter desenvolvido um talento artístico. A escrita foi o encontro com esse “Hud artista”, o escritor que estava escondido.
Por isso, foi um processo bonito e transcendental, ainda que muito pessoal. Mas navegar por esse lugar também doeu bastante, pois me obrigou a olhar de frente para todas as minhas questões emocionais. Sempre digo que, enquanto algo está apenas na cabeça, ainda podemos negar sua existência; mas, quando colocamos no papel, aquilo ganha vida no mundo real e nos encara. Ao reler cada texto e poesia, sentia-me confrontado. Essa parte doeu.
O processo de revisão foi o mais difícil. A primeira etapa é fluida — um desabafo libertador. Já a segunda, a da revisão, é dolorosa e meticulosa. Depois de finalizar e editar o livro, demorei quase um ano para conseguir reler o que havia escrito. É lindo, mas também assustador — mais um exemplo dos opostos da vida que trago na obra.
2. A dualidade é um pilar em sua obra. De que forma sua viagem à Índia influenciou sua percepção sobre como os extremos da vida podem, na verdade, se complementar para gerar autoconhecimento?
Essa ideia mudou minha vida. Lembro de uma fala da peça A Alma Imoral, de Nilton Bonder: “só se conhece um conceito pelo seu contrário”. Entendi que só compreendemos a vida diante da morte, a paz diante do caos e a presença diante da solidão.
A Índia me mostrou isso na prática. É um lugar mágico, encantador e profundo, mas também absolutamente caótico. O moderno e o tradicional se misturam; vida e morte são vistas lado a lado nos rituais às margens do Ganges. A riqueza e a pobreza, a serenidade espiritual e o caos urbano convivem em um mesmo espaço.
Lá, vivenciei o que é caminhar no limite das coisas todos os dias. Essa experiência me fez perceber que a paz e a felicidade não estão em eliminar os demônios internos, mas em aprender a conviver com eles. A vida é feita de contrastes — e é justamente nesse convívio que mora o autoconhecimento.
3. Você menciona a sensação de "quase ter vivido e quase ter sido feliz". Poderia nos contar um pouco mais sobre como a escrita se tornou uma ferramenta para confrontar esse sentimento de potencial não realizado e transformá-lo em uma obra tão impactante?
Passei boa parte da vida duvidando de mim e colocando em xeque minhas conquistas — um sintoma claro da ansiedade e dos pensamentos obsessivos trazidos pelo TOC. Tudo parecia inacabado, pela metade ou insuficiente.
A escrita se tornou um canal para expressar essa dor, que poucas pessoas conseguiam compreender. Quando tentamos falar sobre esses sentimentos, a resposta costuma ser: “imagina, valorize-se, olhe o quanto você já conquistou”. Mas essa falta é interna, profunda e difícil de traduzir.
A poesia e a arte têm o brilhantismo de dar forma às dores — de maneira intensa, lúdica ou realista — sem impor julgamentos. A escrita me ajudou a dar forma ao que não era compreendido, permitindo que eu me aceitasse mais e encontrasse valor em mim mesmo, ao perceber que podia transformar dor em criação.
4. O livro transita entre poemas e uma confissão brutal sobre sua vida, incluindo a pressão de descobrir a sexualidade em um ambiente repressivo. Como você equilibrou a linguagem mais metafórica da poesia com a crueza e a honestidade direta da prosa confessional?
Desde o início, eu queria que a obra fosse autêntica e autoral. Escrevi, a princípio, para mim e por mim — mas, com o tempo, surgiu o desejo de que o livro encontrasse pessoas que passassem pelas mesmas dores.
Por isso, decidi me desapegar de estilos fixos e me entregar ao que fosse mais visceral. Em alguns momentos, o lirismo e a musicalidade da poesia faziam sentido; em outros, a palavra crua e direta precisava ocupar o espaço.
Quis que a obra fosse honesta — não romantizada, mas também não pessimista. Ainda que, para alguns, ela pareça sombria, é, na verdade, um lembrete de que é possível atravessar a dor. A prosa confessional oferece o caminho, a esperança e a reflexão; a poesia expressa o sentir.
Eu queria que o leitor sentisse a obra antes de entendê-la racionalmente, mas que, ao mesmo tempo, ela provocasse reflexão — que fosse lida com o coração, mas também com o pensamento desperto.
Os capítulos Solidão e Presença são o coração dessa dualidade: mostram que sempre há o outro lado — e que a mistura de estilos é, em si, uma expressão da vida em suas contradições.
5. Para os leitores que estão passando por suas próprias “guerras íntimas”, qual seria a principal mensagem de esperança ou o principal insight que você gostaria que eles absorvessem da sua jornada de se despedaçar para se refazer?
Primeiro, eu diria: vocês não estão sozinhos. Essa é uma descoberta essencial. A dor e os desafios da saúde mental são processos solitários, mas saber que outras pessoas sentem o mesmo é libertador, porque alivia a culpa.
Também gostaria que entendessem que não é preciso “estar bem” para viver bem. Dá para encontrar alegria, esperança e conexão mesmo no meio das dificuldades. É preciso apenas ajustar o olhar — porque os desafios não vão desaparecer.
A ansiedade, por exemplo, não tem cura. Então eu não posso esperar estar curado para ser feliz. Acredito que tudo passa, mas é preciso coragem para atravessar a dor. Como digo no livro, é necessário liberar espaço — e isso só acontece quando enfrentamos o que dói.
E a arte é uma das ferramentas mais poderosas para isso. Escrevam, cantem, dancem, pintem, assistam a filmes, leiam. Criar é uma forma de se curar.
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