6 de outubro de 2025

ENTREVISTA COM RENATO AMADO



Olá pessoal do Porão Literário! Hoje vou compartilhar com vocês uma entrevista feita Renato Amado, autor de Nonada, lançado pela editora Cajuína.  

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1. De onde veio a ideia de criar um mundo plano, com continentes transformados em ilhas intransponíveis, e como esse cenário se conecta ao tema das relações humanas? 

A ideia do mundo plano surgiu em duas etapas, separadas por mais de trinta anos. Uma vez, quando eu tinha uns onze anos, comentei com a minha irmã que se a Terra fosse plana a gente conseguiria ver a África de Copacabana. Ela negou e, como prova dos nove, fez o que se faz nessa idade, perguntou ao nosso pai, que respondeu com outra pergunta: “com ou sem uma luneta brutal?”. Esse diálogo ficou arquivado em algum canto da minha memória. Foi recuperado mais de trinta anos depois, quando eu estava em San Diego, na Califórnia, participando de uma conferência de brasilianistas. Em um fim de tarde, após ter feito minha apresentação, fui caminhar em uma praia com um amigo e naturalmente lancei uma pergunta: “se a Terra fosse plana, será que teria uma galera aqui com telescópios bisbilhotando como é a vida no Japão?”.

Já a decisão de tornar os continentes extremamente distantes foi por razões práticas: não queria que Galeano e Seiryu simplesmente trocassem números de telefone ou usassem qualquer outro meio tecnológico de comunicação à distância; nem que um encontro dependesse de algo relativamente simples, como comprar uma passagem aérea e viajar por até um dia e meio.

No que tange às relações humanas, a conexão entre Galeano e Seiryu é uma evasão que dá sentido à vida dele. Temos a tendência de viver a vida no automático e isso, com frequência, nos leva à monotonia. Galeano já tinha avançado ao estágio da melancolia, mas essa relação à distância, através de telescópios, é algo que sai da obviedade, quebra a rotina e a melancolia, tangencia o impossível e tangenciá-lo é uma forma de transcender. As relações humanas, mesmo as mais próximas, seguem determinadas regras e etiquetas. Seiryu e Galeano experimentam um tipo inédito de vínculo, que serve como convite para nos relacionarmos livres de modelos e, na medida do possível, dos nossos próprios constructos.

Também podemos pensar na sensação frequente de falta de sentido no mundo ao redor e na busca constante por realização “em outro lugar”, um lugar que ninguém sabe exatamente onde é, mas que perseguimos por meio de telas.


2. Como você enxerga o papel das contradições de Galeano no debate atual sobre masculinidade e identidade?

Galeano passa grande parte do romance imerso em um machismo estrutural. Para entender sua mente, precisamos pensar na bolha protetora em que nascemos. Quando choramos nos dão de mamar, nossas mães nos protegem dos perigos do mundo, nos alimentam. Em algum momento, porém, descobrimos que um dia vamos morrer, e a bolha admite que nada pode fazer contra o maior dano possível: a nossa extinção. É um vazio que nos acompanha e, alguns, chegam a sentir uma certa mágoa dos pais ou do mundo, que prometeram proteção, mas a bolha tinha o furo mais grave de todos. Isso faz parte do que a psicanálise chama de “perda da mãe”. Muitos homens esperam que suas companheiras restaurem essa proteção perdida, algo que, para acontecer, exigiria que elas se anulassem para viver em função deles. Este processo normalmente não é consciente. Galeano não é misógino, mas sua fragilidade, sua necessidade de amparo, e até um egoísmo em alguma medida inconsciente, acaba por impedi-lo de ver sua companheira como um ser humano em sua integralidade. Ele deseja que ela seja, acima de tudo, uma casa protetora. Mas nenhuma relação amorosa restitui o chão que perdemos ainda na infância ao perceber que estamos à mercê do universo; no máximo, alguém pode nos dar a mão enquanto caminhamos sobre o abismo.

Se há uma crise do masculino hoje, ela passa por reconhecer a mulher em sua integralidade, por entender que ela pode amar profundamente o parceiro, mas não vive em função dele, e que seus desejos percorrem também outras pradarias. O caminho de Galeano é, justamente, o de encarar essa realidade.

3. Em que momento da escrita surgiu o telescópio e de que maneira ele ganhou esse peso simbólico de aproximar e afastar ao mesmo tempo?

O telescópio é elemento central da trama, portanto surgiu antes da escrita. Ele aproxima os que estão distantes e afasta os que estão próximos, já que é usado por Galeano para deslocar-se para o outro lado do planeta. Sob este prisma, é inegável que cumpre uma função parecida à dos celulares.

4. Que papel você acredita que o olhar do protagonista desempenha na forma como o leitor percebe Seiryu?

A narradora acompanha Galeano de perto, então o olhar sobre Seiryu é mediado tanto por ela quanto pelo protagonista. Entretanto, quando Seiryu assume uma voz significativa, o leitor já está familiarizado com as questões de Galeano, portanto, tem os instrumentos necessários para notar o viés na forma como Seiryu é apresentada. Como e se usará estes instrumentos, logo, como perceberá Seiryu, variará a cada leitor.

5. Como a presença do prólogo e do epílogo interfere na experiência de leitura e no modo como interpretamos a história?

O prólogo apresenta alguns traços da narradora, complementados e reforçados pelo epílogo. Logo de início, o leitor recebe três informações cruciais: que a narradora é uma cientista (embora ainda não saibamos seu gênero), que é sarcástica e que promete narrar como um autor realista. Essa promessa, no entanto, fracassa. O discurso indireto livre dá o tom, com uma narradora muito próxima do protagonista, como é comum na literatura contemporânea. Ela não tem a técnica e a consciência literária necessárias para narrar de acordo com um estilo que não é o do seu tempo. Ela tampouco consegue desaparecer como afirmara que faria; as metáforas com elétrons aparecem mais de uma vez, o seu senso de humor e sarcasmo também. Ela provavelmente tem consciência de que não conseguiu ficar invisível como prometera, pois no epílogo diz que um chato ou outro acusará ter visto a narradora em alguns momentos do texto. Portanto, temos uma narração “infectada” pelo olhar da narradora e pelo do Galeano, exigindo do leitor a aplicação de um filtro e dando-lhe espaço para que chegue às suas próprias conclusões, já que a promessa de uma narração imparcial feita no prólogo não é cumprida.

O epílogo oferece, ainda, a possibilidade de o leitor refletir sobre como lidamos com o excepcional quando a rotina insiste em encobrir o improvável e se impor.

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Leonardo Santos



Olá leitories! Meu nome é Leonardo Santos, tenho 28 anos, sou de São Paulo mas atualmente estou em Guarulhos cursando Letras! Minha paixão pela leitura começou desde muito cedo, e é um prazer compartilhar minhas leituras e experiência com vocês!

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