"Todas as famílias felizes se parecem; mas cada família infeliz é infeliz à sua maneira" E com essa frase do escritor russo Leo Tolstói que adentramos na família de Ana, protagonista de "Para os que ficam".
Ana vive em uma rotina extremamente dedicada aos cuidados de seu pai, um senhor idoso que sofre de Alzheimer, enquanto tenta reconstruir sua vida que foi, até então, uma coleção de tragédias e péssimos relacionamentos, seja com o seu antigo marido - que assim como ela sofria de alcoolismo e todos os seus cruéis efeitos; ou com seus dois irmãos - cuja relação se afundou nessa mesma época.
Essa convivência diária com seu pai (que cada dia que passa vai perdendo as características que o torna essencialmente a pessoa que Ana conheceu sua vida toda) é dolorosa e a faz mergulhar em diversas memórias de seu passado: sua infância, a perda de sua mãe, o relacionamento com Jota e todas as pressões que sofreu quando era mais nova para se adequar ao papel social do qual sua família forçou ela a participar.
Todo esse clima fúnebre chega ao ápice quando o pai de Ana a prende no banheiro enquanto ela está tomando banho. A situação em si atinge Ana em cheio, que é tomada por uma crise de ansiedade e a faz ir mais fundo em tudo aquilo que já viveu, em um retrato poético e trágico sobre sua própria existência.
Um livro intenso, e não teria como ser de outra forma! "Para os que ficam" oferece um retrato profundo de uma mulher marcada pelo trauma em uma escrita ágil e dolorida! O próprio autor fala sobre a forma como ele quis trabalhar com a figura feminina como protagonista em sua história (já que o livro é narrado em primeira pessoa): "Optei pela Ana porque sinto que as histórias das mulheres me tocam mais. (As mulheres) têm a sensibilidade aflorada, característica que me capta nas leituras nas quais a personagem é feminina, onde há a questão de uma luta interna intensa. Isso me atraí, me sensibiliza, e queria ter esse foco, essa possibilidade. Em outros livros, no caso, de contos, já havia experimentado essas possibilidades e (o resultado) foi bastante positivo".
O livro possui alguns gatilhos, no entanto nenhum dos temas propostos são tratados com irresponsabilidade, pelo contrário. Alex consegue conscientizar de uma forma poética e bem necessária, o que torna a leitura mais fundamental de ser feita.
"Quando pensei na relação da filha que cuida de um pai idoso e com dificuldades, quis mostrar o outro lado da história. A verdade é que esse cenário se apresenta para nós em diversas famílias, só que raramente alguém nota a pessoa que cuida, o quão doente ela pode se tornar".
O livro é curto, mas seu conteúdo é profundo e, nesse caso, foi digerida aos poucos! Mas confesso que a leitura de "Para os que ficam" me impactou de uma maneira muito pessoal. Leiam!