Às vezes, o que mantém duas pessoas juntas não é a ausência de conflitos, mas a insistência em recomeçar, mesmo quando tudo parece querer empurrar pra longe. Foi esse sentimento que me guiou durante a leitura de Almas Entrelaçadas, romance de Adelina Sanches que mergulha no relacionamento entre Marcela e Divania — duas mulheres marcadas por traumas diferentes, mas unidas pela tentativa de encontrar algum tipo de abrigo uma na outra.
Marcela, delegada de polícia, é o tipo de personagem que carrega nas costas o peso do passado e, mesmo assim, se permite amar. Desde a infância, lida com a rejeição do pai por conta de sua orientação sexual — o que a transformou numa adolescente rebelde e, depois, numa mulher forte, firme e profissionalmente realizada. Divania, por outro lado, é enfermeira e carrega feridas mais expostas: sua saúde mental fragilizada, resultado de um lar opressor comandado por um pai autoritário e alcoólatra, compromete sua estabilidade emocional e suas escolhas dentro do relacionamento.
O que Adelina constrói aqui é uma narrativa que não tem pressa, mas também não se estende desnecessariamente. Há um foco muito bem encaixado em algo que a literatura ainda aborda com certa timidez: a complexidade dos relacionamentos homoafetivos atravessados por traumas, repressões e a falta de amparo familiar. Mesmo com ajuda de um psicanalista — que se torna figura-chave na vida de ambas —, a caminhada até a construção de uma relação saudável é longa e cheia de tropeços.
As personagens secundárias cumprem bem seus papéis: servem de obstáculos, de gatilhos e até mesmo de ponto de virada na trama como a própria Leonice, que trabalha com Divania; e o pai dela: O sr. Paulo. Marcela, que tem uma força contida e uma racionalidade que tenta, com dificuldade, sustentar o caos à sua volta.
Já Divania, por vezes, me frustrou com atitudes impulsivas e sumiços súbitos — mas acredito que essa sensação de incômodo tenha sido proposital. As falhas delas são palpáveis, humanas, e é exatamente isso que torna a relação das duas tão real. Nenhuma delas está ali para desempenhar o papel da parceira ideal — e talvez seja isso que mais me pegou na leitura.
Adelina também acerta ao posicionar o romance dentro de um contexto maior: o preconceito, a imposição de modelos familiares tradicionais e a marginalização das relações homoafetivas. Mas o livro não se torna panfletário; ao contrário, os temas surgem de maneira orgânica, costurados às dores das protagonistas. Há espaço, inclusive, para reflexões sobre saúde mental, autoestima e reconstrução pessoal.
Almas Entrelaçadas é um romance que, mesmo falando sobre amor, não se ilude com a ideia de que amar é fácil. Às vezes, amar é insistir. É buscar ajuda. É enfrentar os próprios fantasmas enquanto segura a mão de alguém que também carrega os seus. E é nesse ponto que o livro mais brilha: na sensibilidade de retratar o afeto entre duas mulheres como ele é — bonito, complicado, corajoso.