As Gaiolas não é exatamente uma narrativa convencional. Patricia Cruz constrói sua história como uma espécie de percurso interno, onde o que está em jogo não é só o que acontece no mundo ao redor da protagonista, mas o que se desenrola dentro dela.
Em meio a símbolos, encontros e missões que beiram o místico e parecem fundir a realidade com o mundo onírico, o romance nos conduz a acompanhar Duna, uma jovem universitária ansiosa que, aparentemente, vive uma rotina comum — dividida entre a faculdade de Ciência da Computação, uma kitnet e sua gata Maya — até o momento em que tudo começa a mudar.
Essa mudança não é exatamente externa. Ela começa com um sonho. Nele, a ampulheta sagrada de Duna começa a se mover, e o tempo — antes apenas um conceito — vira um alerta. A partir daí, Duna passa a ver o mundo com outros olhos. Literalmente. Ela enxerga o nível de desenvolvimento das pessoas, como se camadas invisíveis começassem a se revelar diante dela.
A história segue nesse tom, quase como um ritual de iniciação, onde a protagonista é confrontada por missões e figuras que aparecem para orientar, ou testar, seu caminho, isso porque ela descobre que existe uma profecia em torno de sua figura: é chamada de transformadora e tem como missão salvar Gaia, o planeta. Para isso, precisa encontrar a ampulheta de Gaia, mas antes deve localizar sua própria ampulheta.
Para isso, no entanto, Duna precisará se aventurar em algumas missões dadas pela figura quase que mítica que ronda seus sonhos — e sua própria realidade: a coruja falante e a espécie de "assistente", Zensita. Encontrar uma bruxa na floresta, procurar por um curandeiro, achar a própria ampulheta sagrada e transformar a escuridão em luz. Tarefas difíceis? É, um pouco.
O livro trabalha com uma estrutura que mescla psicologia e espiritualidade, numa proposta que lembra, por vezes, aquelas jornadas de cura e redescoberta pessoal, porém com toques de fantasia e romance! Eu amei o fato de que Patrícia realmente parece preocupada em explorar os processos internos de mudança: como eles acontecem, o que despertam, e como somos levados a encarar nossas próprias sombras quando colocados diante do desconhecido.
Duna, aqui, é a peça central desse quebra-cabeça, e a narrativa se desenvolve ao redor de seu percurso rumo a um tal “Eu Verdadeiro”.
Existe também espaço para afeto e relações humanas. Guilherme, por exemplo, surge como alguém que, além de participar da trama, estabelece com Duna um vínculo afetivo que, mesmo sutil, adiciona uma camada de romance ao livro. Não é o foco principal, mas está ali como contraponto ao isolamento da protagonista, como se para nos lembrar de que o caminho do autoconhecimento não precisa, necessariamente, ser solitário.
Em muitos momentos, a obra soa como uma metáfora estendida sobre os processos de crescimento e transformação que, cedo ou tarde, todos somos obrigados a enfrentar. E talvez seja justamente essa proposta — de apresentar o interno como um território tão vasto quanto qualquer mundo fantástico — o que torna As Gaiolas uma leitura que se sustenta não pela ação em si, mas pelas perguntas que levanta no meio do caminho.