Não é exagero dizer que Amor Sublimado dum Poeta, de Amilton Conté, é uma peça que sangra nas entrelinhas. Mais do que poesia ou teatro, o livro se constrói como uma tentativa de entender o amor enquanto ausência, enquanto falha, enquanto desejo de permanência diante da perda.
Um dos elementos que me surpreendeu logo no começo é que o livro abre com um prólogo confessional que mais parece uma carta não enviada. É ali que o Amilton se despe, ao contar como uma pergunta da irmã sobre a recorrência de mágoa, morte e lágrimas em sua escrita o levou de volta à primavera de março em que tudo começou.
É um texto que já nasce marcado por melancolia, amor impossível e uma juventude ofuscada pela dor, mas também que anuncia: essa não é uma história sobre finais felizes, mas sobre o que ainda resta quando tudo parece já perdido.
E o que resta é justamente o teatro.
Estruturada em oito atos, a peça dramatiza não apenas o sentimento, mas a luta para nomeá-lo. Personagens como o Cego e Gustavo ganham corpo e voz para dar forma a uma narrativa que, em sua essência, é sobre um amor que não se encaixa nos moldes tradicionais — amor que é memória, culpa, impotência, e até promessa quebrada.
O diálogo entre os dois é um dos momentos mais emocionantes da peça: quando Gustavo o convida a torcer pela equipe nas oitavas de final da taça da igreja, o Cego responde com insegurança, achando que está sendo alvo de zombaria. Mas a troca que se segue, marcada por lealdade, dor e afeto, revela um vínculo muito profundo.
“Foste a única pessoa que aceitou ser meu amigo, meu companheiro, meu irmão”, diz o Cego, antes de completar: “tudo o que tenho feito de bom nesta vida, devo-o a vós!”. São falas que carregam um peso afetivo imenso, mas que Conté conduz com naturalidade, fazendo parecer que estamos espiando uma conversa real.
A linguagem da peça é lírica e simbólica, mas sem deixar de ser acessível. Conté mistura referências bíblicas e imagens poéticas com falas simples e verdadeiras, o que aproxima o leitor (ou espectador) do drama humano que está sendo encenado. Os atores parecem viver ali o próprio dilema do autor, que afirma no prólogo: “exprimi o medo, o medo que sinto perante ela, o receio de não ser aceite como sou”.
Amor Sublimado dum Poeta também é um testemunho. Uma confissão de quem viu o amor escapar muitas vezes por entre os dedos, mas nunca deixou de buscá-lo, mesmo quando já não via. A peça se constrói com base nessa cegueira — literal e metafórica — e na tentativa de continuar amando apesar dela.
No fim das contas, essa não é uma daquelas que exigem pausa, que pedem escuta, que nos olham de volta. É sobre amor, sim; mas não o amor idealizado. É sobre o amor possível. Aquele que resiste, que falha, que se reconstrói nos restos de mágoa, na ausência dos olhos, mas nunca na ausência de coração.