Organizadores: Kazuo Ishiguro
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 200
Ano de publicação: 2025
Uma visão pálida das colinas recupera a história de duas mulheres em uma Nagasaki destroçada pela guerra e marcada pelas mudanças bruscas da ocupação americana. Etsuko, dona de casa burguesa, grávida de primeira viagem, aproxima-se de uma mulher peculiar e de sua filha pequena, vivendo solitárias e na penúria numa misteriosa casa abandonada.A partir dessa imprevista amizade, Etsuko projeta seus medos e inseguranças nas atitudes erráticas da amiga, que julga com severidade, ao mesmo tempo em que parece estar fadada a cometer os mesmos erros, em um complexo jogo de espelhos. Em poucas páginas, Ishiguro elabora personagens de vasta densidade emocional e um retrato de um país afundado em crise identitária. Uma obra assombrosa e delicada, que sintetiza o talento de um autor que viria a receber o prêmio Nobel.
Fala galera do Porão Literário, tudo certo? Hoje a resenha é do livro Uma Visão Pálida das Colinas, do vencedor do Prêmio Nobel Kazuo Ishiguro, publicado pela Companhia das Letras. A resenha foi escrita por Leonardo Santos.
A história é narrada por Etsuko, uma mulher japonesa que vive na Inglaterra e que relembra seu passado após o suicídio de sua filha mais velha, Keiko. A visita de sua filha mais nova, Niki, serve como um gatilho para que Etsuko mergulhe em suas memórias de um verão em Nagasaki, logo após a guerra, enquanto estava grávida de Keiko.
Nesse passado, Etsuko, uma jovem esposa, desenvolve uma amizade peculiar com Sachiko, uma mulher orgulhosa e misteriosa que vive em condições precárias com sua filha, a pequena e perturbada Mariko. Sachiko nutre o sonho de se mudar para os Estados Unidos com seu amante americano, Frank, uma promessa que guia todas as suas ações. A narrativa se desenrola de forma sutil, focando nas conversas entre as duas mulheres, no comportamento estranho de Mariko, que fala sobre uma "outra mulher" que a assombra , e na atmosfera de uma cidade que tenta se reerguer de suas cinzas.
A narrativa nos faz questionar constantemente o que é real e o que é uma memória distorcida pela culpa e pelo tempo. A linha entre a história de Etsuko e Keiko e a de Sachiko e Mariko torna-se cada vez mais tênue, sugerindo que as lembranças de Etsuko podem ser uma forma de lidar com um trauma que ela não consegue confrontar diretamente.
Uma Visão Pálida das Colinas é um livro que te assombra pela delicadeza e pela brutalidade que se escondem nas entrelinhas. Não se engane pela prosa contida e elegante; há uma corrente de violência e tristeza que corre sob a superfície, tornando a leitura uma experiência tensa e inesquecível.
Ishiguro é um mestre do não dito. A tensão não está nos grandes eventos, mas nos silêncios, nos olhares e nas memórias que Etsuko parece querer evitar a todo custo. A grande sacada do autor é nos apresentar uma narradora pouco confiável. Ficamos com a impressão de que ela conta a história de Sachiko para não ter que encarar a sua própria, e as sobreposições entre as duas duplas de mãe e filha são perturbadoras e geniais.
Além de Etsuko e Sachiko, conhecemos personagens secundários que enriquecem a trama, como Jiro, o primeiro marido de Etsuko, e seu pai, Ogata-San. As conversas entre os dois homens sobre o Japão do pós-guerra, a influência americana e a perda dos valores tradicionais adicionam uma camada social e histórica fascinante à história.
O tom do livro é melancólico e fantasmagórico. É um drama psicológico que se disfarça de um simples romance de memórias. A Nagasaki do pós-guerra é quase uma personagem, com sua mistura de reconstrução e ruínas, esperança e trauma. É uma leitura que exige paciência, pois a história se constrói lentamente, mas que recompensa com uma profundidade psicológica imensa. Se você gosta de narrativas que te fazem pensar e que ecoam na sua mente por muito tempo, por favor, leiam.