Logo de cara, o autor abre o livro com um prefácio bastante pesso: Ele se coloca à prova como escritor solo numa “antologia de um autor só”. A proposta é simples: três contos, três gêneros diferentes — mistério, horror cósmico e fantasia — com um objetivo claro: testar os limites criativos e narrativos de quem escreve. E olha, vou dizer: tem coisa boa aqui.
O conto que dá nome ao livro, “O Enigma do Apartamento de Cima”, é o tipo de história que prende pela premissa cotidiana que vira pesadelo. Acompanhamos Wilson, um redator que finalmente consegue conquistar o sonho de ter seu próprio canto, mas logo percebe que algo naquele apartamento simplesmente não está certo. Barulhos estranhos, vizinhança misteriosa e uma atmosfera que beira o claustrofóbico...
Tudo aqui remete aos melhores elementos do suspense psicológico e vemos isso conforme a tensão cresce de forma gradual, e o incômodo que a história causa é daqueles que você sente mais na nuca do que nos olhos.
O segundo conto, “A Luz dos Deuses”, traz uma vibe bem diferente. Aqui, Liberalli brinca com o horror cósmico em plena floresta amazônica, misturando mitologia lovecraftiana com elementos da nossa própria cultura e território. A ambientação é o grande trunfo da história, que parece carregar uma aura densa e ancestral.
Um indígena, um meteorito e um rastro de fenômenos inexplicáveis dão o tom de um pesadelo alucinante. A ideia de deslocar o horror cósmico do norte gelado dos EUA para o calor úmido da Amazônia funciona muito bem.
Por fim, “O Empalhador” mergulha em um universo de fantasia medieval, com direito a druidas, magia da natureza e dilemas morais que poderiam muito bem figurar num conto arturiano. Aqui, o Liberalli usa o mistério ao redor do estrangeiro curandeiro como combustível para uma narrativa que mistura fé, medo e sacrifício. Tem um certo ar de fábula sombria, e funciona muito bem como encerramento da coletânea.
O mais interessante é perceber como os três contos não compartilham só o autor, mas também uma mesma sensibilidade narrativa. Todos lidam com algum tipo de desconhecido: seja ele um barulho inexplicável, uma força alienígena ou um segredo arcano. É como se cada conto fosse uma janela diferente pra um mesmo sentimento de inquietude.
No fim, esse livro é um exercício de imaginação afiado. Giulianno se propõe a brincar com diferentes estilos e acerta especialmente na criação de atmosferas. E mesmo que alguns momentos peguem carona em referências já conhecidas, o resultado final tem voz própria. Recomendo!