O início de sua trajetória como benzedeira é desencadeado por uma série de eventos sombrios e inexplicáveis, que a fazem entender que seu papel no mundo ultrapassa as limitações físicas e mentais. Com o passar dos anos, Fátima descobre uma conexão intrínseca com dimensões que transcendem o tempo e o espaço, sendo chamada a utilizar seu dom para cura e proteção.
Uma escrita visceral que, mesmo cruel em alguns momentos, também se interliga aos costumes, cultura e religião de um povo. Fiquei muito surpreso com a escrita de Demi Simão ao ler "A benzedeira", pois mesmo já esperando um livro que trouxesse esse panorama de um Brasil pós escravidão, ainda assim conseguiu me surpreender.
A leitura desse livro não é fácil, isso eu garanto. Dividido em quatro partes, a primeira delas nós conhecemos uma personagem que é pouco citada na sinopse acima (porém extremamente importante!) Mariana, mãe de Fátima, que se casa com Adão, um homem mais novo, que parece ter uma missão bem específica. De família mais abastada, mas que ainda precisa trabalhar para não passar fome, Mariana deixa o conforto da fazenda Speranza para morar com Adão, um homem cruel e embebedado pelos costumes patriarcais da época.
É só na segunda parte que o protagonismo vai pra Fátima e sua ligação com o espiritual começa a aparecer. A narrativa ganha um novo fôlego nessa parte e isso me surpreendeu muito, principalmente com o baque que a primeira parte propiciou.
Demi, o autor do livro, diz em seu prefácio que esse livro é "fruto de um processo de pesquisa sobre a vida e atuação de benzedeiras no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. Essas personagens enigmáticas, em sua maioria mulheres, compõem o amplo cenário da vida cotidiana do povo, tanto no interior de Minas Gerais quanto em outras regiões do país onde ainda se mantêm vivas as tradições de benzeção." E eu senti muito isso! Uma Minas Gerais do Estado Novo é apresentada pra gente de forma verossímil e super bem descrita, o que nos ajuda muito a mergulhar nessa história.
E que história! O livro é grande, galera, não vou mentir! Mas a escrita de Simão é precisa e não se enrola em momento algum! Talvez os capítulos mais curtos ajudem muito a manter a fluidez da história (são mais de cem capítulos), e talvez seja por isso que consegui lê-lo em cerca de duas semanas!
Como mulher do século XX, Fátima enfrenta os desafios impostos por questões de gênero, a dureza do poder e as injustiças sociais; tudo isso é abordado de forma não romantizada no livro, o que torna uma leitura dolorosa, porém necessária.
"Por fim, este livro é um como um presente oferecido a mim pelo amado povo do Vale do Jequitinhonha e pelas benzedeiras e benzedores que se dedicam a promover o bem-estar da nossa gente. Para o leitor, é um convite e uma oportunidade de se fazer presente em um pedacinho do Vale, de acompanhar de perto os desafios e os mistérios existentes na vida de uma benzedeira, de conhecer a cultura popular e as vivências reais do povo."
Fica a indicação!