Em Pão e Circo, Paul Veyne realiza um mergulho no coração da Roma Antiga, abrindo a cortina do conhecido “panem et circenses” e revelando as muitas camadas que sustentam essa prática que se tornou símbolo do populismo romano.
Esse é o meu primeiro contato com Paul Veyne, já conhecia o autor por conta da faculdade, mas nunca tinha lido nada dele fora do âmbito acadêmico. Enfim, o que me interessou foi o fato de Veyne se recusar a aceitar as interpretações superficiais que enquadram a distribuição de trigo e os jogos públicos apenas como uma estratégia de controle social.
A abordagem histórica e sociológica que ele oferece transcende a ideia simplista de que o povo romano trocava seu voto e cidadania por entretenimento, e busca decifrar as dinâmicas complexas de poder, identidade e prestígio que fundamentavam essas práticas.
A análise proposta por Veyne vai além da famosa crítica da alienação política e à passividade da plebe. Ele propõe o conceito de evergetismo para dar conta desse fenômeno: uma prática pela qual a elite romana, motivada tanto por dever quanto por ostentação, buscava reforçar seu status e sua influência por meio de liberalidades que beneficiavam a coletividade.
Nesse sentido, o “pão e circo” não é apenas um mecanismo de manipulação, mas um ritual enraizado nas tradições das cidades-Estado gregas e reinterpretado no contexto romano como uma manifestação de superioridade e filantropia pública.
A grande sacada de Veyne é desmistificar a ideia de que a prática era uma invenção romana para controlar a massa. Em vez disso, ele sugere que a elite oferecia o espetáculo e o sustento com um certo senso de dever, embora, claro, o ato viesse acompanhado de uma reafirmação de poder.
Essa demonstração pública de generosidade tinha tanto um impacto social quanto uma relevância simbólica. Ao abrir mão de uma interpretação puramente funcionalista, o autor convida o leitor a enxergar o “pão e circo” não só como uma medida política, mas como uma prática enraizada em valores e deveres cívicos.
Além do rigor acadêmico, Veyne se destaca por uma escrita acessível e uma argumentação quase envolvente, que prende o leitor no fascinante universo dos jogos e das práticas de doação.
No decorrer das páginas, cada detalhe é contextualizado com precisão, e somos levados a perceber que a complexidade da sociedade romana muitas vezes não cabe em uma visão binária e reducionista. Com isso, Veyne nos dá uma obra que, mesmo abordando uma era longínqua, ressoa de maneira provocativa e nos convida a questionar como esses ecos históricos podem ser observados nos jogos de poder de nossa própria sociedade.