O que é o mito? É história alterada? É história aumentada? Uma mitomania coletiva? Uma alegoria? O que era o mito para os gregos? […] O sentimento da verdade é muito amplo (abrange facilmente o mito), “verdade” quer dizer muitas coisas e pode até abranger a literatura de ficção.
De início, a pergunta-título já provoca: será que os gregos viam suas histórias sobre deuses e heróis como verdades absolutas ou como meras fabulações? Essa questão é o ponto de partida para Veyne analisar como os antigos concebiam os mitos e, em última instância, como organizavam sua visão de mundo. Em vez de uma resposta direta, o autor entrega um verdadeiro mergulho na mentalidade grega e na força que a imaginação exerce para constituir realidades.
Ao longo da leitura, Veyne desconstrói a ideia de que os mitos eram "lidos" pelos gregos da mesma forma que compreendemos hoje ficção ou história. Ele argumenta que essas narrativas não eram falsas para os antigos, mas tampouco exigiam uma crença literal — uma ideia complexa que o autor explica com maestria. É fascinante perceber como os mitos desempenhavam um papel ativo e estrutural na sociedade, ajudando a definir não apenas crenças, mas valores e comportamentos.
Veyne é conhecido por sua habilidade em explicar conceitos complexos sem perder de vista a acessibilidade do texto, e aqui ele faz jus à sua reputação. Ainda que a leitura exija atenção, especialmente por envolver tantos exemplos e debates conceituais, a clareza do autor facilita o entendimento. Ele nos leva por diferentes épocas, sociedades e interpretações, conectando a Grécia Antiga com questões que ecoam até nossos dias.
O grande diferencial do livro é como ele ressignifica o "acreditar". Em tempos modernos, acostumados a separar fatos de ficção, é um exercício mental revigorante considerar que os gregos viviam os mitos não como algo "fora do mundo", mas como parte intrínseca de sua realidade. É nesse contexto que Veyne mostra o poder constituinte da imaginação: mais do que narrativas, os mitos eram ferramentas de interpretação do mundo.
Os gregos acreditavam em seus mitos? é uma obra que desafia nosso entendimento de crença e narrativa. Para quem gosta de história ou simplesmente de questionar verdades aparentes, é uma leitura indispensável que reafirma por que Paul Veyne é uma referência quando se trata de explorar as nuances da mente humana e das sociedades que construímos.